Pais para um país melhor

3 de agosto de 2015
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Acabei de dar uma bronca em minha filha de quatro anos. Ela tinha vindo me pedir para ajudar a colar os adesivos no livro que compramos ontem. Ela sabe colar os adesivos e conhece a história do livro, daí não há dificuldades em colá-los, mesmo porque depois é possível descolá-los. Mas me arrependi quase que imediatamente da bronca. Na verdade, ela tinha vindo pedir outra coisa.

Há uma crescente preocupação com a educação das crianças no Brasil e em outros países. Todos acreditam que a educação cria um país melhor. Mas deixe o discurso dos políticos e preste atenção no empreendedorismo em educação.

Quem acompanha esse mercado não consegue enumerar a quantidade de iniciativas. São incontáveis. Nos Estados Unidos, por exemplo, alguns dos mais brilhantes investidores de capital de risco como John Doerr (KPCB) e Rob Stavis (Bessemer) criaram a New Schools (www.newschools.org) que aplica técnicas de capital de risco em startups de educação sem exigências draconianas de retorno financeiro, mas cobra impacto social. Teach for America, Khan Academy e a Better Lesson são algumas das iniciativas que receberam apoio da New Schools. No Brasil, Fundação Lemann, Artemisia e Porvir também têm apoiado negócios incríveis em educação.

Mas quando falamos em empreendedorismo em educação, sempre me vem à cabeça o dinamarquês Ole Kirk Christiansen, seu filho Godtfred e o filho do seu filho, Kjeld. Não porque eles criaram e empreenderam a Lego, mas porque foram um exemplo da importância da relação entre pais e filhos.

Em 1932, no ano em que a Lego nasceu, Ole perdeu sua esposa. Sua empresa ainda era uma carpintaria que começava a fazer brinquedos de madeira, mas o negócio não dava muito dinheiro e ele ainda tinha que tomar conta dos seus quatro filhos. Ole era um excelente marceneiro, mas péssimo gestor e vendedor. Coube ao seu filho, Godtfred, que acompanhava o trabalho do pai desde os 12 anos, começar a cuidar da gestão do negócio depois que voltava da escola, já que gostava muito desta responsabilidade. E os outros filhos ajudavam em outra parte importante do negócio: testar os produtos – o que para eles significava brincar com o pai e seus irmãos.

E o que Ole fazia na empresa era o que tentava vender no mercado: pais mais presentes nas vidas de seus filhos. David Robertson, professor de inovação e gestão da tecnologia do IMD, explica em seu livro “Peça por peça” (Campus, 2013) que Ole sabia que quanto mais difíceis forem os tempos, maior será o desejo dos pais de alegrar seus filhos. E isso o ajudou não somente a se reerguer quando seu primeiro grande cliente faliu e não pagou o pedido, quando sua primeira fábrica pegou fogo, mas também durante a grande Depressão Mundial e a Segunda Guerra Mundial.

Até 1946, a Lego só fazia brinquedos de madeira. Foi neste ano que a empresa adquiriu a primeira máquina de moldagem plástica. Foi uma decisão difícil para um carpinteiro, mas seu filho acreditava que o futuro estava naquela máquina. Em uma viagem, em 1954, Godtfred conheceu um especialista em brinquedos que reclavama que os brinquedos eram independentes. Não havia uma lógica ou sistema que os unisse. Com isto na cabeça, Godtfred começou a pensar em brinquedos que pudessem atuar em conjunto e depois criou peças para que as crianças pudessem montar seus próprios brinquedos com a ajuda dos pais. Era uma forma de tê-los mais presente na vida dos filhos, assim como ele adorava brincar com aquelas peças com Kjeld.

Foi em uma das atividades que seu filho reclamou que as peças de montar não se encaixavam e o brinquedo se desmontava com facilidade. Com isto na cabeça, Godtfred começou a estudar sistemas de encaixe que pudessem manter as peças Lego unidas.

O sistema Lego como o conhecemos hoje só foi lançado em 1958, mas Ole, o pai, nunca chegou a ver o sucesso da criação do seu filho e neto. Ele faleceu neste mesmo ano. Godtfred enfrentou desafios parecidos com os do pai quando a fábrica também pegou fogo e, da mesma forma, também manteve seu filho sempre por perto, transmitindo os valores, dando atenção, responsabilidades e autonomia para ajudá-lo na empresa até que Kjeld assumiu o comando do negócio em 1979.

Foi nessa história que pensei quando chamei minha filha de volta depois da bronca. Pedi desculpas e a convidei para assistir o desenho que conta a história de Ole, Godtfred e Kjeld. Agora vamos brincar adivinha com o quê?
Por mais que inúmeros empreendedores estejam criando soluções inovadoras em educação no Brasil e no mundo, a boa educação, literalmente vem do berço. Thomas Friedman, autor do best-seller “O Mundo é Plano” (Objetiva, 2007) explica que as pesquisas da OCDE apontam que o sucesso da educação em um país não depende apenas de melhores soluções educacionais, escolas ou professores. Também dependem de termos melhores pais. E uma das formas de sermos melhores pais é lermos mais para nossos filhos.

 

Por isto, vou ler e colar os adesivos no livro com a minha filha! Os legos ficam para depois.

 

Marcelo Nakagawa é diretor de empreendedorismo da FIAP, além de atuar como professor de empreendedorismo e inovação nas principais escolas de negócio do país. É membro do conselho da Artemísia Negócios Sociais e da Anjos do Brasil, mentor do Instituto Empreendedor Endeavor, coordenador acadêmico do Movimento Empreenda da Editora Globo, colunista do Estadão PME e da revista Pequenas Empresas, Grandes Negócios. É pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Gestão Tecnológica e Inovação da USP. Possui mais de 20 anos como executivo, tendo atuado nas indústrias financeira/bancária, consultoria empresarial, venture capital, inovação e private equity. É doutor em Engenharia de Produção (POLI/USP), mestre em Administração e Planejamento (PUC/SP) e graduado em Administração de Empresas. Autor do livro Plano de Negócio: Teoria Geral (Editora Manole, 2011) e co-autor dos livros Engenharia Econômica e Finanças (Elsevier, 2009), Sustentabilidade e Produção: Teoria e Prática para uma Gestão Sustentável (Atlas, 2012) e Empreendedorismo inovador: Como criar startups de tecnologia no Brasil (Evora, 2012).

 

 

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