Mais peixes fedidos e menos convicções

18 de novembro de 2015
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Por Nathalie Trutmann (*)

A primeira vez que fiz o Master Class, da Hyper Island, não gostei tanto. Como parte do processo de contratação, passei pelos três dias do curso para conhecer o produto e confesso que, acostumada a ser mil por hora, o ritmo mais pausado deles me incomodou muito.

“Devagar é mais rápido” é uma das premissas principais do curso. Isso não fica só no discurso. Ao contrário, vivencia-se na prática o desconforto que o “devagar” pode causar, especialmente em uma era onde a única garantia para se manter competitivo talvez seja acompanhar o ritmo cada vez mais acelerado da nossa era. Só mais tarde, quando entendi a metodologia por trás, vi o quanto o meu desconforto havia sido cuidadosamente premeditado.

A boa educação deveria nos ajudar a observar o que escolhemos pensar, e não desenvovelr nossa capacidade para pensar. Disso todos somos capazes, diz David Foster na sua fantástica palestra de formatura para os graduados de Kenyon College.

Nascemos programados para sentir e agir como se a nossa curtíssima existência fosse o centro do universo. Mas não devemos assumir que essa forma de pensar é “hardwired” em nós, coo é o tamanho dos nossos pés, diz Foster. Uma boa educação é aquela que nos ajuda a ser menos arrogantes, menos seguros de nossas convicções e mais questionadores sobre os significados que atribuímos às nossas experiências.

“Não gosto desse tipo de dinâmicas de grupo idiotas. Estou convencido de que não funcionam”, disse um executivo que participou de um workshop recente que fiz para diretores de uma empresa. Escolhi o exercício do “Peixe Fedido”, uma das ferramentas mais poderosas da Hyper, apesar de sua simplicidade. Inspirada em um peixe sueco, que cheira muito mal, o exercício usa esta metáfora para ajudar-nos a compartilhar coisas que podem estar nos segurando, coisas que não gostamos em nós ou das quais nos sentimos envergonhados, que podem estar impedindo um desempenho melhor no trabalho e na vida pessoal. Exemplo: o presidente de uma empresa contou que seu peixe fedido era o medo de não conseguir ser um bom pai. Outro disse estar cansado de não receber briefings mais sucintos  de seu departamento de PR. Um executivo falou que tinha medo de virar mais dinossauro do que já era. Outra admitiu que não tinha o mínimo interesse em digital, mas se comportava como se tudo soubesse por causa de seu cargo. Uma diretora mencionou que sua autocobrança era tão alta que ela não conseguia ter tolerância com sua equipe.

A diversidade de peixes fedidos se renova a cada dia junto aos nossos pequenos universos. Colocá-los na mesa é uma das formas mais eficientes de sensibilizar as pessoas para as necessidades os outros (conhecer os dramas por trás dos outros centros do universo), para unir times, agilizar processos e levar uma organização a ter mais empatia por funcionários, parceiros e consumidores.

O executivo que fez o comentário “não gosto deste tipo de dinâmicas idiotas” achou que me intimidaria ao me questionar na frente do grupo. Mas a verdade é que sua resposta foi um grandioso peixe fedido despejado ali. Para sua surpresa, agradeci sua honestidade e compartilhei como também havia sido muito difícil para mim tolerar todos aqueles exercícios.

Sua convicção contra dinâmicas de grupo me lembrou do “Tetris Effect” que Eric Barker descreve no seu blog Barking Up the Wrong Tree. Ele explica que as pessoas tendem a levar as competências desenvolvidas dentro de seu ramo profissional para outras áreas da vida. Por exemplo: o advogado acaba levando o expertise em enxergar erros e coisas ruins para a vida pessoal. Não é à toa, diz ele, que advogados são propensos à depressão até três vezes mais do que as pessoas de outras áreas.

Temos o começo de um caminho, diz David Foster para os alunos do Kenyon College, se começarmos a escolher o que tem significado para nós e o que não tem. O que culturamos e o que não cultuamos, já que o que cultuamos vai nos comer por dentro. E se cultuamos o dinheiro e a fama, nunca teremos o suficiente.

“Eu achava que vinha para um curso de aceleração digital, mas vi que não era nada disso” é um dos comentários mais frequentes de quem participa dos cursos da Hyper.

Ray Wang explica no seu recente livro Disrupting Digital Business: Create na Authentic Experience in the Peer-to-Peer Economy, que o universo digital não se restringe mais apenas aos nossos modelos de negócios ou aos nossos planos de comunicação, mas na forma como operamos e nos relacionamos como indivíduos e corporações neste novo contexto. Quando o maior canal de comunicação virou o Peer-to-Peer (P2P), não podemos mais ignorar o lado humano dessas milhões de conexões, como estabelecemos nossa autenticidade dentro delas e como isso impacta todos os nossos processos internos.

Segundo Wang, não temos mais como separar o indivíduo da corporação. No contexto digital, ambos têm que coexistir e crescer juntos. E uma das formas que as empresas tradicionais ou não digitais podem recuperar sua competitividade. P2P significa empresas abrindo mão do controle, consumidores respondendo as dúvidas dos outros consumidores e funcionários promovendo a própria empresa. P2P significa a procura por mais autenticidade e os consumidores no centro do universo.

No entanto, ainda prevalece, na maioria das empresas, o modus operandi de que “sucesso equivale à felicidade”. Se mais sucesso traz mais felicidade, então preciso focar em fazer do meu universo um grande sucesso, mesmo que isso signifique correr atrás de iniciativas e inovações que sejam mais direcionadas a conquistar meu reconhecimento pessoal do que criar soluções reais. Por isso vemos tantas ações que parecem vir da paixão pela tecnologia por ela mesma, e não da vontade de solucionar necessidades que toda essa tecnologia tem trazido à vida das pessoas.

É fato que o Darwinismo Digital, como diz Wang, não espera por ninguém. Cerca de 50% das empresas da Fortune 500 já foram adquiridas ou dissolvidas e a vida útil das novas que aparecem está prevista para durar no máximo 12 anos. Você pode escolher como quer enxergar e pensar o que o contexto digital representa para você e para sua empresa e o significado que você quer dar para os sinais do mercado. Mas talvez colocar um par de peixes fedidos de vez em quando sobre a mesa seja um bom primeiro passo para refletir e questionar algumas das convicções que nos deram tanto sucesso em um mundo que desaparece rapidamente.

(*)Nathalie Trutmann é diretora-geral para América Latina da Hyper Island, embaixadora no Brasil da Singularity University e chief magic advisor da Fiap

 

 

 

 

 

 

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