O conto de fadas em um pote de iogurte
Parece um conto de fadas, mas é uma grande lição de aprendizado para todos os empreendedores que querem oferecer uma fantástica experiência de consumo.
Era uma vez, um rapaz chamado Hamdi Ulukaya. Ele, como outros milhões de outros quase norte-americanos, imigrou da Turquia para aprender inglês. Acabou ficando na cidade que nunca dorme, fez faculdade e abriu uma pequena fábrica de queijo feta em Nova Iorque, algo que sua família já fazia no seu país.
Até aí, a trajetória de tantos outros empreendedores borralheiros. Mas um dia, uma mensagem mágica pousou em sua mesa. Era um anúncio que uma fábrica antiga de laticínio que estava à venda. Sua dona, uma das gigantes do mercado de bens de consumo, tinha desistido da região e levado a produção para outra com upalupas mais baratos. “Mais uma mala direta” – reclamou Hamdi, amassando o papel e jogando-o no lixo.
Mas, alguma fada madrinha veio durante a noite para convencê-lo a pegar o papel amassado no dia seguinte. Foi lá conhecer a tal fábrica. Era bem antiga, tinha ainda 55 funcionários e estava sendo vendida por cerca de 1 milhão de dólares. Nem em sonho, com fada madrinha e tudo, ele tinha o dinheiro. Nos contos de fadas, ratos viram cavalos e abóboras, carruagens. E Hamdi lembrou do SBA, uma agência do governo que apoiava empreendedores. Quem sabe se não escrevesse uma cartinha, alguém atenderia seu pedido? Escreveu o plano de negócio em uma noite contando o seu sonho de trazer um produto da sua terra que deixavam os estrangeiros que visitavam a Turquia maravilhados.
Dias depois, houve um enorme clarão em sua casa. Era Hamdi radiante com a aprovação do empréstimo a juros subsidiados. Comprou a fábrica e a chamou de Agro-Farma Inc.
O conto de fadas termina aqui. O que vem depois é a história de um empreendedor comprometido em oferecer uma grande experiência de consumo que fez com que a empresa tivesse um dos crescimentos mais rápidos da história. A trajetória vem sendo construída sob três pilares continuamente melhorados por Hamdi.
A primeira face do primeiro pilar é o produto. Hamdi começou a produzir o que ficou conhecido por iogurte grego. Se você encontra iogurte grego hoje no Brasil, agradeça ao rapaz deste conto de fadas. Até havia uma pequena marca que comercializava iogurtes gregos nos Estados Unidos e há séculos a receita é venerada na Península Balcânica. Tomou duas sábias decisões sobre o produto: Manteve o termo grego e não turco. Queijo Minas é assim mesmo que feito em São Paulo, não é? E renomeou para Chobani, pastor em turco. Era um nome de fácil pronuncia, mesmo fora dos Estados Unidos. A segunda face do mesmo pilar foi pensar nas funções que alguém buscaria em um iogurte. Para muitos, é estranho pensar em funções de um produto que não seja um eletrônico. Mas sim, não compramos apenas o produto em si, mas as funções que ele executa para resolver nossos problemas e necessidades. Um iogurte não tem apenas a função de alimentação. Também poderia executar funções para deixar as pessoas mais felizes e mais saudáveis. Deveria ser algo prático para consumidores urbanos. Além de muito saboroso. Demorou quase um ano e com ajuda de um mestre “iogurteiro” que trouxe da Grécia, chegou à fórmula que considerou ideal.
O segundo pilar trata das dores, dificuldades ou inconveniências do cliente. Todo cliente tem pouco ou até muito disso. Solteiros têm dificuldades em comprar uma melancia inteira, por exemplo. Hamdi pensou em pessoas com limitações de consumo de gorduras, açúcares e também naqueles que estavam cansados de consumir produtos de baixa qualidade, coisas que pareciam iogurte e cansados das mesmices dos sabores. Por isto, pensou na outra face deste pilar: Produtos doces naturalmente, matérias primas sem hormônios, fidelidade com os sabores e ao mesmo tempo, opções de novos sabores.
Além de satisfazer as necessidades principais e as dificuldades acessórias, Hamdi pensou em vantagens adicionais que o cliente não estava esperando, que resume o terceiro pilar. Desde o início das atividades, a empresa doa 10% dos lucros para entidades de caridade. Caprichou tanto na embalagem que passou a ser um símbolo de status, sensação semelhante aos dos produtos da Apple. Depois, lançou uma loja conceito em Nova Iorque que testa novos sabores e conceitos de iogurte.
O primeiro pilar torna os clientes satisfeitos. O segundo, fortalece a lealdade. Por fim, o terceiro cria clientes entusiasmados que divulgarão a experiência. Foram estes últimos que fizeram com que a empresa atingisse um faturamento de mais de um bilhão de dólares sete anos depois da sua criação.
O que Hamdi fez na prática, Alexander Ostervalder explica na teoria ao conceber o que chamou de Canvas da Proposta de Valor. Mesmo tendo feito muito sucesso, sua primeira ferramenta, o Canvas do Modelo de Negócio, ainda não conseguia contribuir para a criação de negócios realmente inovadores. Daí surgiu a necessidade de dar um passo para trás e pensar apenas na melhoria da proposta de valor. O Canvas da Proposta de Valor orienta o empreendedor a pensar nas relações “produto e tarefas do produto”, “dores do cliente e solucionadores destas dores” e “ganhos adicionais e geradores destes ganhos”.
Acesse o modelo do Canvas da Proposta de Valor aqui < http://falandodenegocios.files.wordpress.com/2013/08/canvas_da_proposta_de_valor.pdf>
Talvez não consiga repetir o sucesso da Chobani, mas pensar a respeito dos pilares que ajudaram a empresa a se desenvolver por meio da nova ferramenta do Alex Osterwalder pode trazer a magia de atrair mais clientes para o seu negócio.
Marcelo Nakagawa é diretor de empreendedorismo da FIAP, além de atuar como professor de empreendedorismo e inovação nas principais escolas de negócio do país. É membro do conselho da Artemísia Negócios Sociais e da Anjos do Brasil, mentor do Instituto Empreendedor Endeavor, coordenador acadêmico do Movimento Empreenda da Editora Globo, colunista do Estadão PME e da revista Pequenas Empresas, Grandes Negócios. É pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Gestão Tecnológica e Inovação da USP. Possui mais de 20 anos como executivo, tendo atuado nas indústrias financeira/bancária, consultoria empresarial, venture capital, inovação e private equity. É doutor em Engenharia de Produção (POLI/USP), mestre em Administração e Planejamento (PUC/SP) e graduado em Administração de Empresas. Autor do livro Plano de Negócio: Teoria Geral (Editora Manole, 2011) e co-autor dos livros Engenharia Econômica e Finanças (Elsevier, 2009), Sustentabilidade e Produção: Teoria e Prática para uma Gestão Sustentável (Atlas, 2012) e Empreendedorismo inovador: Como criar startups de tecnologia no Brasil (Evora, 2012).